quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pessoa por Pessoa


"Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho
e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias
e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como
quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado."
(Alberto Caeiro - trecho do primeiro poema do Guardador de Rebanhos)



Fernando António Nogueira Pessoa

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